Para aprofundar a dimensão vocacional do catequista, vamos agora debruçar-nos sobre duas importantes perspectivas de reflexão: na primeira (a) refletiremos sobre a fonte da vocação, o Sacramento do Batismo; na segunda (b) apresentaremos alguns elementos importantes a serem considerados no processo vocacional do catequista na comunidade eclesial.
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A) Batismo: fonte de todas as vocações
Observamos nos evangelhos sinóticos que o Batismo de Jesus está associado ao reconhecimento e à aceitação de uma relação filial com Deus Pai e que marca o início do seu ministério messiânico. No Evangelho segundo Marcos 1,9-11, Jesus, que vai de Nazaré para o rio Jordão, desce as águas e é batizado por João. O descer nas águas está em paralelo com a descida do Espírito sobre ele e dentro dele. A vinda do Espírito sobre Jesus é acompanhada de uma voz que tem referência no Salmo 2,7: “Tu és meu filho, eu hoje de gerei”. Essa linguagem do Salmo 2 é usada para a imagem do Servo do Senhor em Isaías 42,1, na qual a representação do servo é seguida de uma promessa: “Eis o meu servo, que eu sustento, o meu eleito, em quem tenho prazer. Pus sobre ele o meu Espírito”. No Batismo, Jesus recebe o Espírito Santo e o reconhecimento de sua natureza de Filho. Dessa compreensão, no Batismo cristão existem dois fundamentos centrais: o dom do Espírito Santo em cada pessoa e a incorporação como Filho de Deus.
Jesus, o “Ungido por Deus com o Espírito Santo” (At 10,38) pelo Batismo, ini cia seu ministério messiânico e recebe o título de Cristo (“Ungido”). O Batismo de Cristo, segundo os Padres da Igreja, foi a instituição do Batismo cristão, e a sua unção se torna a base para a unção, em sentido próprio, no Batismo cristão. Aqueles que são ungidos em nome de Cristo serão chamados de cristãos.
Outro elemento importante para nós nesse percurso se encontra no Evangelho segundo Mateus. Ele conclui sua obra com uma atribuição e uma promessa da parte de Jesus: “Toda a autoridade sobre o céu e a terra me foi entregue. Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei. Eis que estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos!” (Mt 28,18-20). Uma das possíveis interpretações é que o termo “ensinar” de que fala o texto é “ensinar a observar tudo o que vos ordenei”, mas também pode ser compreendido como um ensinamento pós-batismal, no sentido de como deve ser a vida de uma pessoa após ter se tornado discípulo de Jesus. Compreendemos que a atividade de batizar é acompanhada daquela de fazer discípulos e que ensinar está subordinado ao fazer discípulos mediante o Batismo (cf. Beasley-Murray, 1963, p. 88-90).
Nessa perspectiva, podemos estabelecer a seguinte sequência: (1) ide, (2) fazei discípulos, (3) batizar, (4) ensinar as tarefas e finalidades da vida cristã. Nesse mandado missionário, encontra-se em Jesus toda a autoridade enquanto Filho de Deus. Em Jesus há a autoridade de fazer discípulos, e estes são chamados a seguir os seus mandamentos explicitados nas Bem-aventuranças (cf. Mt 5,1-12). Ele, o Ungido de Deus, tem toda a autoridade e continuará a estar com os seus até os confins do mundo. Aos seus apóstolos, Jesus dá a tarefa de fazerem discípulos e seguidores. O gesto para isso será o sinal do Batismo.
Mais uma vez no Evangelho segundo Marcos, vamos encontrar um importante elemento para a interpretação batismal nas primeiras comunidades cristãs. A perícope 14,51-52 (um jovem o seguia, e a sua roupa era só um lençol enrolado no corpo) e 16,5 (elas viram um jovem sentado à direita, vestido com uma túnica branca) faz uma alusão a quem era iniciado no cristianismo, no qual, mediante o Batismo, era assimilado na morte e ressurreição de Jesus (cf. Scroggs; Groff, 1973, p. 531-548). Uma clara mensagem de que o Batismo está associado à morte e ressurreição do Senhor. O testemunho das primeiras comunidades cristãs atesta a importância do Batismo como pressuposto da salvação e da sua conexão com a fé. Nessas comunidades, o ato do Batismo era para inserir a pessoa no Corpo de Cristo, a Igreja (cf. 1Cor 12,12-13).
Para a teologia paulina do Batismo, é fundamental que a crucificação de Cristo e o Batismo estejam em paralelo. Entre vários textos de São Paulo, escolhemos o da Carta aos Romanos. A relação com o Batismo está em estreita relação com o “anúncio da cruz” (1Cor 1,18-24) que vem desenvolvido em Romanos 6,1-11, onde a referência fundamental do Batismo é Cristo, resultado do anúncio do Evangelho, ideia aqui relacionada com “ide fazei discípulos” de Mt 28,19.
Paulo compreende a ideia de Batismo associando à morte e ressurreição de
Cristo: “Pelo Batismo nós fomos sepultados com ele na morte” (Rm 6,4). Isso implica o fato de que o nosso Batismo foi mais que em relação à sua morte, mas foi na sua morte. Significa que o Batismo é mais que simples relação com a morte de Cristo, mas é uma real participação nela. O objetivo de Paulo é afirmar que pelo Batismo herda-se uma vida nova quando morremos para o pecado. “Se morremos com Cristo, temos fé que também viveremos com ele” (Rm 6,8). Na compreensão do Apóstolo, o crente batizado é envolvido na experiência única de Cristo. A ressurreição futura requer uma ressurreição presente no modo de viver. Isso implica o exercício dos dons recebidos no Batismo e que precisam ser acompanhados e formados.
Tanto é que não há participação na morte, sepultura e ressurreição de Jesus sem o Batismo. Nesse caso, a definição de Batismo, em termos de morte e sepultura, e a graça de uma vida nova se realizam com a imersão na água santificada pela ação do Espírito, à semelhança da sepultura e da ressurreição, pelas quais o crente faz a experiência. “A correspondência da ressurreição de Cristo dos mortos é constituída não pela parti cipação na sua ressurreição, mas pela possibilidade de ‘caminhar em uma vida nova’, isto é, viver na novidade do Espírito” (Caspani, 2013, p. 73). O cristão não pode ser pensado fora dessa relação originária com Jesus Cristo. Portanto, cada pessoa é criada em Cristo uma nova criatura, é chamada a viver a existência humana com Ele e como Ele. Cada cristão é chamado, mediante a força do Espírito, a conformar sua vida com Cristo e com a sua condição de filho. O Batismo, sendo participação na vida de Cristo, é a condição para viver um itinerário de elaboração da resposta para Deus. Resposta esta que não é feita somente com palavras, mas com a vida feita vocação.
B) O caminho pedagógico da vocação
1- Chamado:
Na dinâmica da vocação, o sujeito sempre é Deus. É ele quem toma a iniciativa de chamar (vocare). Seu chamado pro-voca aquele que a ouve e que, por sua vez, também é sujeito, porque precisa elaborar uma resposta coerente diante desta pro-vocação recebida. Na tradição bíblica, essa experiência aconte ce dentro da dinâmica chamado-resposta. Entre o chamado de Deus e a respos ta humana, existe um movimento de escuta e de elaboração da resposta. Para isso, estabelece-se a necessidade de uma pedagogia própria, capaz de contribuir na elaboração humana da resposta. Foi assim que aconteceu com Abraão e Sara (cf. Gn 22,11), Moisés (cf. Ex 3,4), Isaías (cf. Is 6,8) e tantas outras pessoas na história da salvação.
Na tradição bíblica, escutar Deus que fala e crer nele é a mesma coisa. O crer é identificado com o escutar, e o escutar é um crer. Nesse dinamismo, o Apóstolo Paulo vai falar da obediência da fé (Rm 1,5). Na raiz da palavra “obediência” (em grego hyp-akoé) está a palavra “escuta” (akoé). Logo, escutar a Deus é obedecê-lo. Nesse processo, é preciso considerar que na obediência da fé se encontra uma experiência humana que conduz à identificação com aquela voz ouvida. Contudo, em nosso caso, escutar a Deus, essa experiência fundamental da nossa fé, exige que essa escuta cer tamente seja educada e desenvolvida na Igreja. Daí a importância de as comunidades possibilitarem verdadeiros itinerários de experiência vocacional para os cristãos, a partir da vocação recebida no Batismo, e sobretudo para o exercício do ministério de catequista, porque, nessa perspectiva, ser catequista não é uma escolha, mas é a resposta a um chamado de Deus (cf. Theobald, 2011, p. 9-18).
A comunidade cristã é o lugar da elaboração da resposta da fé que cada batizado é chamado a dar. Esse movimento não se dá de maneira isolada, mas conjuntamente, na medida em que cada um se pronuncia ou escuta a palavra do outro como a voz mesma de Deus. Sendo assim, a comunidade fraterna é a casa e a escola da vocação cristã. Na sua missão, o próprio Jesus realizou o exercício de escutar a voz do Pai (cf. Mc 1,11; 15,34; Lc 9,35). Nesse sentido, a experiência do chamado é uma pro funda experiência interior de escuta em comunidade. Desse modo, existe uma relação muito estreita entre vocação cristã e comunidade cristã como o lugar da comunhão, onde a vocação cristã exige a comunhão, porque é no convívio em comunidade que se elabora de modo pessoal a resposta em cada pessoa.
2- Discernimento:
O chamado da parte de Deus é realizado para todos, mas cada resposta é marcada pela individualidade e historicidade de cada pes soa, ou seja, homem e mulher respondem cada um a seu modo, com várias possibilidades de realização dessa vocação. É importante considerar que os caminhos para a realização da vocação são muito diversos, como na compre ensão de São Paulo, que propõe três listas de dons e serviços (cf. 1Cor 12,8-10; 1Cor 12,28-30; Rm 12,6-8), que ele chamou de carismas, nos quais expressava a vocação dos membros das comunidades primitivas.
Em um processo de descoberta em profundidade da vocação humana, o discerni mento não se faz sozinho e isolado, mas na necessidade de um caminho realizado na companhia de outra pessoa, que está habilitada para o acompanhamento com instru mentos capazes de contribuir para fortalecer e sustentar a capacidade de escolha do chamado. Um discernimento à luz do Espírito e da Palavra de Deus, que não impõe, antes motiva e desperta, o que na outra pessoa ela possui de melhor e que é capaz de despertar perguntas existenciais, porque somente quem tem a coragem de se colocar diante das perguntas fundamentais encontrará plenamente a sua vocação, isto é, a sua identidade. Logo, vocação é relação.
Então, vocação tem a ver com identidade, como afirma o Papa Francisco (2022): “O bom discernimento exige também o conhecimento de si”. E, quando a pessoa encontra a identidade mais profunda em si, ela se humanizará, porque é o lugar e a forma como essa pessoa poderá viver o amor na direção dos outros, seus irmãos e irmãs, de modo autêntico e transformador, e que lhe possibilitará reconhecer a voca ção recebida como própria e como dom de Deus. Enfim, encontrou sua missão. Em síntese, vocação está intimamente relacionada com missão.
3- Escolha:
Diante de uma escolha, apresenta-se uma renúncia. Para acolher e escolher um caminho é preciso renunciar a outro. Renúncia que não pode ser vista como privação, mas como liberdade para acolher e escolher um caminho. A decisão é realizada depois do nascimento da vocação humana, experimentada sobre si mesmo. Escolha que conduz ao amadurecimento. Essa é a vocação hu mana, ou melhor, o caminho humano essencial no qual Deus pode doar uma vo cação específica, fruto e desenvolvimento da graça batismal presente no cristão.
No entanto, ao abordar o tema da vocação, não se trata de somente falar de uma escolha, mas também de descrever de que modo a pessoa, à luz do chamado, define a sua identidade. Isso requer compreender que, antes de qualquer vocação específica, existe, segundo o Concílio, o chamado à vocação humana (cf. GS, n. 3). O chamado à vida é o maior dom que se recebe de Deus. Toda e qualquer vocação específica é alicerçada sobre a vocação humana.
Na base de qualquer vocação está o diálogo com Deus, e esse diálogo servirá na cons trução dos próprios fundamentos que iluminam a vida da pessoa. Se compreendemos a vocação a partir da dinâmica chamado-resposta, ela será uma iniciativa amorosa da parte de Deus para com a pessoa. Antes, porém, Deus solicita a estruturação da vida na direção dessa mesma dedicação de amor; isso é simplesmente o que todo ser humano é chamado a fazer para sê-lo até o fim. Nesse caso, cada pessoa humana é precedida de um chamado de amor da parte de Deus que torna possível a sua existência.
Eu, você, nós, que acreditamos e desejamos viver nossa fé em comunidade, somos chamados à vocação à vida, mas também somos interpelados a olhar a vida como dom e vocação. A descoberta da própria vocação está associada ao “eu”, que, por sua vez, somente existe porque está em relação com o “nós”. Sem a relação com o “nós”, o “eu” não seria capaz de desenvolver-se em autonomia e liberdade. É dentro dessa dinâmica que a pessoa se torna adulta, quando ela é capaz de realizar a experiência a partir de si própria na direção do cuidado com o outro.
Assim, a vocação consiste não em propor, mas sim em responder. Essa resposta, por sua vez, é marcada pela doação de si mesmo, que pode ser traduzida no convite de Jesus aos seus como no exemplo do lava-pés (cf. Jo 13,1-20). Ele não viveu para si, mas viveu para o Pai e para os outros, sobretudo para aqueles que estavam às margens do mundo. Nesse caso, a vocação, contemplada sob essa perspectiva, ilu mina a identidade da pessoa e toda a sua existência para acreditar que a transmissão da vida é o lugar por excelência da vocação humana. Um catequista por vocação é especialista no exercício da transmissão da vida, que é compreendida como lugar por excelência da vocação humana.
Texto retirado do livro: A KOINONIA - UM NOVO OLHAR PARA O MINISTERIO
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