Certamente muitos/as de nós somos catequistas há muito tempo e assumimos com amor e responsabilidade a tarefa dada por nossa comunidade de iniciar na fé aqueles que, acreditando em Jesus Cristo, querem viver conosco como irmãos.
Catequisar é, sem dúvida, uma das tarefas mais importantes da Igreja. E de muitas formas, temos procurado exercê-la bem, sempre em comunhão com a Igreja e no espírito do Evangelho. Esta tarefa, porém, no decorrer dos tempos, passou a ser exercida sob a égide da educação escolar, assumindo cunho muitas vezes acentuadamente moral e dogmático. A iniciação cristã – pressupondo uma sociedade e uma família cristã – reduziu-se apenas ao trabalho de comunicar “academicamente” os dogmas, ensinar as orações básicas e a piedade popular cristã, bem como deixar claro os mandamentos de Deus e da Igreja, preparando as crianças para receber os sacramentos.
A crise do mundo moderno, por sua vez, abalou os aparentemente sólidos fundamentos do mundo cristão, de modo que também a catequese foi comprometida: como continuar a apenas preparar para os sacramentos e a ensinar os mandamentos se a questão mais fundamental sobre Deus e a fé é que estão em cheque? Como perpetuar o proceder moral cristão num mundo onde Cristo e a Igreja não jogam mais papel central na vida humana?
Neste contexto paradigmático é que a Igreja percebe que “as alegrias e as esperanças do homem e da mulher de cada época é também as alegrias e as tristezas dos filhos da Igreja” (GS 1), o que lhe exigiu um trabalho de repropor a fé na realidade atual.
Sobre este trabalho se debruçou o Concílio Ecumênico Vaticano II. Este, motivado pelos movimentos litúrgicos e catequéticos e inspirados na experiência das primeiras comunidades cristãs – redescoberta mais ricamente com os textos patrísticos – estabeleceu, entre outras coisas, a retomada de um catecumenato (SC 64) que fosse realmente mistagógico e correspondesse às necessidades da Igreja de nossos tempos.
Aqui, claro, cabe a pergunta sobre “qual é a Igreja de nossa época” etc. mas o mais importante – e que é o foco de nossa conversa – é compreender que o centro deste processo de iniciação desejado pelo concílio e amadurecido no decorrer das décadas subsequentes é o kerigma. Compreendê-lo é fundamental para uma iniciação cristã que alcance o homem e a mulher de nossa época.
Mas o que é o kerigma? Por que ele é tão importante?
Kerix é a palavra grega para mensageiro. Kerigma, decorrente dela, é a palavra usada no Novo Testamento para significar anúncio, proclamação.
Aquilo que o próprio Jesus faz ao anunciar o Reino é um ato kerigmático. Igualmente, depois de sua Morte e Ressurreição, sendo o próprio Jesus o conteúdo do kerigma, aquilo que os apóstolos e os primeiros cristãos fizeram é um kerigma. Este anúncio é o que, em última instância, marca a possibilidade do início da fé cristã. É por meio dele que se pode vir ao conhecimento da pessoa de Jesus Cristo e desejar o batismo de forma consciente e pessoal, para além de um evento meramente cultural.
A questão do ouvir como pedagogia interpelativa de Deus na história é fundamental na história da salvação. “Shemmá [escuta] Israel” é o convite que todo judeu repete quotidianamente. O próprio Filho é a Palavra que o Pai proclama para toda a humanidade. A adesão a esta palavra interpelativa marcou a vida dos patriarcas, dos reis, profetas e profetizas do Povo Eleito. No Novo Testamento, a resposta ao anúncio feito pelo Anjo tornou a Virgem Maria a Mãe de Deus e, assim, a Palavra se fez carne e habitou entre nós.
O kérigma – a loucura do anúncio (1Cor 1,21), nas palavras de São Paulo – é a primeira experiência de encontro entre o ser humano e Cristo, anunciado Senhor da Vida e da Morte, porque morto e ressuscitado. Diante deste Kyrios, o ser humano vê a possibilidade de uma vida desvencilhada da opressão da morte, e pode aderir ou não à vida cristã.
O grande problema de nossa época é que o ser cristão tem sido tomado como pressuposto. Acontece que, na verdade, o que há não é uma adesão pessoal a Jesus Cristo, mas uma acomodação cultural ao cristianismo.
Retornar ao kerigma, neste ambiente, implica iluminar a situação histórica e pessoal de cada um com a possibilidade da ressurreição oferecida por Cristo.
Este anúncio é o centro de toda obra de iniciação cristã que acontece na catequese: fazer com que aqueles que procuram a comunidade reconheçam que a ressurreição de Cristo traz sérias e profundas implicâncias para as suas vidas em nível pessoal. Esta consciência parece ser fundamental para que se possa viver como Cristo e participar de sua vida pelo batismo.
Nas palavras de São Paulo se percebe o papel fundamental do anúncio. Ele diz na Carta aos Romanos: “Como, porém, invocarão aquele em que não creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue? E como pregarão, se não forem enviados?”
Assim, aplicar-se na renovação da catequese passa pela redescoberta deste primeiro anúncio, sempre e de várias maneiras retomado, onde se faz conhecer o senhorio de Cristo sobre a morte e o mal.
- Frei Jorge Lisot
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