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Redação

Era digital: vilã ou aliada no processo de comunicação da fé?

A evangelização pode ser entendida como uma prática que tem a comunicação como seu eixo articulador e propulsor. Segundo o Documento de Puebla (1979): “a evangelização, anúncio do Reino, é comunicação”. Por isso, mais do que nunca, faz-se necessário refletir sobre a comunicação cristã, eclesial e pastoral hoje.


"Precisamos beber novamente na fonte desse sentido profundo da comunicação, especialmente hoje, quando parece que tudo pode ser resolvido com os recursos tecnológicos.", afirma o doutor em Ciências da Comunicação, Moisés Sbardelotto.



Pensando em resgatar o sentido antropológico, eclesiológico e também teológico da comunicação, Moisés lançou recentemente, pela Editora Vozes, o livro Comunicar a fé: por quê? Para quê? Com quem?, que também faz uma releitura dos principais documentos, mensagens e discursos do Papa Francisco a partir do olhar comunicacional sobre a ação evangelizadora da Igreja.


Segundo o autor, nestes anos do papado de Francisco, a Igreja tem à sua frente uma pessoa que desafia a própria noção eclesial de comunicação. Ele mesmo costuma repetir uma frase atribuída a São Francisco de Assis: “Anunciem o Evangelho sempre. Se necessário, usem palavras”. Portanto, é alguém que busca comunicar a fé com todo o seu ser, mediante seus gestos, suas palavras e seus silêncios. Para ele, Francisco põe a ênfase da sua comunicação, desde o início, na “alegria do Evangelho”.


Ao Blog da Catequese, Moisés respondeu três perguntas sobre a era digital e como o catequista pode explorar o melhor que ela tem a oferecer para a evangelização.


BC: A era digital é uma vilã ou uma aliada no processo de comunicação da fé?


MS: A era digital é a era em que vivemos. Portanto, temos que, em primeiro lugar, reconhecê-la também como “campo de missão” da Igreja, como um “lugar” teológico e pastoral igualmente importante para a evangelização. Sem dúvida, podemos encontrar nela diversas “luzes” e também diversas “sombras”, que pedem o nosso discernimento, como cristãos e cristãs. Mas a Igreja, em suas várias expressões, é desafiada a promover uma “inculturação digital”, que permita descobrir aquelas “formas e valores positivos” presentes também nessa cultura e que podem “enriquecer o modo como o Evangelho é pregado, compreendido e vivido”, como afirma o Papa Francisco na Evangelii gaudium (n. 116): somos chamados a ser uma “Igreja em saída” ao encontro das culturas – incluindo a digital –, e não “em fuga” delas.

BC: No ambiente tão conectado que vivemos, é possível e preciso "fugir" da tecnologia para o desenvolvimento da catequese?


MS: Não, ao contrário, isso seria extremamente empobrecedor para o caminho de iniciação à vida cristã. Se queremos formar discípulos-missionários de Jesus, temos que aprender com Ele, que se “encarnou” na cultura, na linguagem e nos meios da sua época. Jesus não fugiu das “tecnologias” do seu tempo para realizar a sua missão. Ao contrário, muitas vezes recorria a elas. Hoje, também, temos que perceber que as tecnologias e as mídias digitais obviamente não são “essenciais” para a evangelização, mas também não são meramente “opcionais”, pois grande parte da vida social já se desenrola em tais ambientes. São ambientes humanos e sociais de vida e de relação: do outro lado da tela, está uma pessoa, de carne e osso, com alegrias e esperanças, tristezas e angústias. Por isso, nossa ação pastoral, do ponto de vista da comunicação, sempre deve levar em consideração a pessoa ou o grupo que temos à nossa frente: que linguagens e meios são mais apropriados para escutá-los e entrar em diálogo com eles?

BC: Como orientar o bom uso da tecnologia e das redes sociais, principalmente para os jovens catequizandos?


MS: Como costumo dizer, tudo passa, primeiro, por um processo de “formar para a informação”. Todos experimentamos no nosso cotidiano uma avalanche de informações, desde a hora em que acordamos até a hora em que fechamos os olhos para dormir. Algumas pesquisas apontam que o brasileiro passa em média 9h30 por dia conectado à internet, ou seja, praticamente a metade de um dia inteiro. O que fazemos durante todo esse tempo? O que estamos lendo, vendo e escrevendo durante todo esse tempo? Lidar com a infinidade de informações que temos à disposição é desafiador, pois é um exercício constante de discernimento, ou seja, de avaliar, à luz da fé cristã, aquilo que favorece a comunhão – com Deus e com as demais pessoas – e promove o bem. E, para isso, é preciso dizer corajosamente “não” a todo o resto, sendo inclusive “contraculturais”, em muitos aspectos. “Jejuar”, também nas redes, pode ser um exercício muito saudável para evitar as distrações e tudo aquilo que tira o foco do essencial, fazendo-nos perder tempo – e perder tempo é perder vida.


Além disso, é preciso “conscientizar para a comunicação”. Hoje, qualquer pessoa pode agir como “mídia” potencialmente. Uma simples postagem, um simples tuíte pode dar a volta ao mundo e alcançar muitas pessoas em poucos segundos. Por isso, é preciso se responsabilizar, eticamente, por aquilo que se comunica. Bento XVI dizia que existe um “estilo cristão” de comunicação, baseado em quatro pontos: honestidade, abertura, responsabilidade e respeito pelo outro. Portanto, cada pessoa que se diga “cristã” nas redes sociais digitais deve agir como tal, sabendo que a evangelização não ocorre primordialmente por meio daquilo que dizemos, mas sim mediante aquilo que fazemos e do modo como somos. Já dizia Santo Inácio de Antioquia, no século II: “É melhor ser cristão sem dizê-lo do que proclamá-lo sem sê-lo”. Isso continua valendo nestes nossos tempos tão avançados tecnologicamente.


BC: Sobre seu último lançamento: o que o leitor pode esperar deste livro?


MS: O leitor e a leitora encontrarão no livro uma diversidade de pontos de vista sobre a comunicação da fé. Não há “receitas” prontas, mas sim pistas de ação e reflexão. As partes em que o livro está dividido revelam um pouco isso.


A primeira delas é “Comunicação e fé hoje: por quê? Para quê? Com quem”. São provocações que buscam repensar a ação evangelizadora como ação de comunicação. Nesses capítulos, eu falo sobre as “raízes” da comunicação, a partir de uma releitura comunicacional da Criação do mundo, conforme o livro do Gênesis, para entender a ação de um “Deus comunicativo”. Também apresento a comunicação encarnada de Jesus e alguns elementos para uma espiritualidade igualmente encarnada do comunicador cristão. Diante disso, levanto algumas críticas à “mundanidade comunicacional”, presente inclusive nas mídias católicas e naquilo que eu chamo de “catolicismo de massa”, buscando defender que “evangelizar não é mercadejar”.


Na segunda parte, o foco é a “A alegria de comunicar: o Papa Francisco e a comunicação”. Nessas páginas, eu aprofundo o olhar sobre a comunicação do papa, seus gestos e suas palavras. Cada capítulo analisa os principais documentos do atual pontífice, a partir do olhar da comunicação.

Por fim, na terceira parte, o livro aborda o ambiente comunicacional contemporâneo, como convite a “Comunicar o Evangelho em tempos de rede”. Baseando-me no pensamento comunicacional do Papa Francisco, eu convido os leitores e leitoras a uma “revolução da ternura” também no âmbito da comunicação, desafiando-os a serem “samaritanos comunicacionais” e a fazerem uma “opção comunicacional pelos pobres”. Analiso criticamente o preocupante fenômeno das fake news e do ódio em rede, convidando a pensar o “sentido relacional da verdade” e a pôr em prática uma “boa comunicação”, com tudo o que essa expressão implica.


Além disso, o livro conta ainda com um prefácio do sacerdote jesuíta estadunidense James Martin, que muito me alegra e me honra. O texto está intitulado “Entender o discernimento é fundamental para entender a comunicação da fé hoje”.


Como já diz o título, o livro fala de comunicação e também de fé. Por isso, está voltado para as pessoas que se interessam por qualquer uma dessas temáticas. "Para quem não tem fé, o livro também tem muito a dizer, do ponto de vista humano e antropológico, sobre comunicação e sobre a construção de relações mais humanas, humanizadas e humanizantes. Já para quem busca viver a fé cristã, a leitura do livro é um convite a experimentar a alegria do Evangelho e também a aprender e apreender o estilo cristão de comunicar a fé ao mundo de hoje", indica o autor.

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